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Terapia de casal: entenda por que pode funcionar para você, vocês, nós

O processo de análise em dupla – trio ou mais – não precisa ser a alternativa que resta após uma crise infinita. Ela pode fazer parte de uma construção saudável e contínua


Por Amanda Grecco


"Se nossa sociedade tivesse um entendimento estabelecido quanto ao significado do amor, o ato de amar não seria tão confuso". É assim que a escritora bell hooks inicia o primeiro capítulo da trilogia Tudo Sobre o Amor, sintetizando com precisão o motivo de tantos relatos de frustração quando dispomos de um espaço significativo para que outra pessoa habite dentro de nós.


Nas minhas caminhadas para descobrir o que é amar e ser amada, descobri um quarto fechado que guardava relíquias e monstros. E descobri que meu parceiro também tem um quarto assim, mas com outras coisas as quais eu nunca ouvi falar.


Se assim como eu você está em um relacionamento – principalmente um com início pandêmico – deve saber que é preciso dispor de uma energia significativa para manter esse terceiro elemento que se chama “nós” vivo, mas saudável o suficiente para que ele não cause alvoroços nos outros dois, o “eu” e o “você”. 


E é por querer que a equação “eu, você e nós” funcione bem que eu e meu parceiro resolvemos procurar a terapia de casal. Eu, antes dos 30, ele, antes dos 40 – e admitindo que senti uma pontada de vergonha por buscar ajuda “tão cedo”. Mas eu me surpreendi e virei a pessoa que espalha a palavra da terapia de casal por aí.


 

A origem de quase tudo


Até poucos anos atrás, o termo “casal” evocava a imagem de uma dupla afetivamente comprometida, heteronormativa, monogâmica, com ambições iniciais pautadas no romantismo. "Somos herdeiros do modelo de amor romântico desde Romeu e Julieta, de William Shakespeare, no qual dois amantes se entregam a uma tórrida paixão proibida pelas famílias de origem, que tem como desfecho a morte de ambos por suicídio", explica Elaine Grecco, psicóloga e psicanalista.


Vivemos com esse projeto pretensioso que é a fórmula pronta do par perfeito. Assim que as queixas aparecem, aquele filtro do Instagram que fazia do seu parceiro a pessoa mais incrível do mundo se desfaz e as imperfeições vêm à tona – desconstruímos o que idealizamos e entendemos que por trás da paixão existe uma pessoa a ser desbravada, com todas as suas complexidades. 


“A indicação para uma psicoterapia de casal costuma surgir quando existe uma intensidade perturbadora na relação, mas ninguém consegue nomear a natureza dessa experiência. Sem espaço assistido por uma figura cuidadosa e atenta para reflexão do fenômeno, muitas vezes o casal se impõe uma continuidade para preservar a importância dessa intensidade sem ter conhecimento das heranças psíquicas individuais que cada um carrega”, explica Elaine.


 

A psicanalista também alerta que é comum usarmos palavras que trazemos de outras relações para designar acontecimentos novos em nossas histórias, e que o acompanhamento psicoterápico também é saudável para a criação de um repertório mais condizente às dinâmicas daquele casal em especial, o que costuma gerar algum alívio para cada um, desafogando os termos que não conseguiam se fazer nomear por não termos referências sobre eles.


 

Mas a culpa não é minha...


A psicanalista Elaine explica que existe uma herança cultural que administramos que se chama lógica da culpa. “Nessa compreensão, há um algoz e uma vítima, há quem produz a ação e quem a recebe, além da dicotomia entre o bem e o mal e, nesse maniqueísmo, um tem razão e o outro não, um sofre e o outro faz sofrer”. Já que intuitivamente entendemos que quem faz sofrer deve pagar, Elaine diz que geralmente é essa a cena inicial de uma psicoterapia: dois seres engolidos em si mesmo, em sofrimento e com dificuldade de escutar o outro.


“Então, o primeiro trabalho é construir o espaço compartilhado para configurar um território sem culpados nem inocentes, mas ambos responsabilizados na escolha de serem casal até que a compreensão e elucidação maturada aconteça por meio de trocas, para que possam desembocar na escolha por continuarem juntos de outras maneiras na vida ou recalcularem a distância necessária para viverem de maneira curiosa e interessante”, conta Elaine.


A psicanalista Kátia Capucci, que atende a mim e meu companheiro, costuma dizer que o momento em que os casais procuram a análise é quando estão deitados em um campo de guerra, os dois gravemente feridos e gritando ajuda para o outro, incapazes se levantar para ver o que está acontecendo com seu parceiro. Assim, é preciso tempo para despertar sozinho e poder encontrar o outro novamente. Por isso, se sujeitar a um processo assim é, para mim, um ato enorme de amor, pois precisa de muita maturidade para assumir que a sua dor, por maior que seja, não será curada pelo outro.


 

E se eu me separar?


Às vezes, construir uma relação amistosa é mais interessante do que manter um casal triste. “Nascemos na condição de dependência absoluta e nos encaminhamos, na melhor das hipóteses, na direção da construção da independência relativa, como nos propôs pensar o psicanalista inglês Donald Winnicott”, diz Elaine.


“Quais formas de amor me ligam à vida nesse momento? É uma pergunta diária que merece a consideração de pensarmos nas parcerias relevantes para cada trecho da vida. Portanto, saber mais de si, do outro e como me implico nos meus vínculos é investimento”, completa. 


Por aqui, achamos que a trajetória vale a pena mesmo que o destino não seja o que você imaginou alcançar. 

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