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Sonhos eróticos: por que temos?

Às vezes de forma deliciosa, às vezes extremamente desconfortável: todo mundo já sonhou que estava transando com alguém. Mas por que isso acontece? Conversamos com pessoas que entendem do assunto para responder a essa pergunta

por Olívia Nicoletti

 

Acordar com uma ereção matinal mais intensa do que aquelas costumeiras ou com a calcinha toda molhada e lembrar de uma deliciosa noite de sexo, mas que, por mais real que possa ter parecido, só aconteceu em sonhos – aí, já sabe né? É correr para os nossos lubrificantes Lubs e aproveitar a sós ou em companhia essas lembranças "inventadas". 


Porém, nem sempre o dia seguinte a um sonho erótico é apenas prazeroso. Na maioria das vezes, inclusive, pode ser algo desconfortável e motivo para reflexões e estranhamentos – quem nunca sonhou que estava transando com pessoas com quem não se deve transar, não é mesmo? (De membros da família ao porteiro, é algo bastante comum). E, por mais que pareçam, esses sonhos não são completamente aleatórios. "Em seu livro A Interpretação dos Sonhos, de 1900, Freud defende que a maioria dos sonhos são a realização de um desejo, quase sempre um desejo sexual reprimido. Para ele, os sonhos são a estrada real que nos leva ao inconsciente. É como se fossem mensagens cifradas, pois assim conseguem passar pela censura do consciente. Já para Lacan, os sonhos são uma entre as quatro formações do inconsciente; assim como o ato falho, o chiste e os sintomas. Por isso, a psicanálise trabalha com a sua interpretação.", explica a psicanalista Dani de Lamare. 


Mas calma! Não é porque você sonhou que estava transando com o seu irmão que você tem um desejo sexual reprimido relacionado ao seu irmão exatamente… "As pessoas com quem sonhamos nem sempre são elas mesmas no sonho. O sonho opera por condensação e deslocamento (metáfora e metonímia para Lacan). Seguindo essa lógica, no sonho, uma pessoa pode estar representando muitas coisas, inclusive ela mesma. Para sabermos o que significa ter sonhos eróticos com essa ou aquela pessoa na psicanálise, é necessário passar pelo processo de interpretação do sonho por meio da associação livre na análise", diz Dani. Ufa, né?


E ainda que seja algo que desperta interesses profundos desde sempre, apenas recentemente os sonhos começaram a ganhar estudos voltados apenas a eles, e ainda se sabe muito pouco sobre o porquê sonhamos – não apenas que estamos transando com outras pessoas, mas como um todo mesmo. "Existem diversas teorias que se complementam, em sua maioria. Acredita-se que, primeiramente, os sonhos são manifestações de conteúdos aleatórios em que, de uma forma inconsciente, o cérebro absorve e tenta processar tentando 'colocar um sentido'", conta a neurologista Sofia Gonzaga. 


Mas como? "Na verdade, é como pedir para que em uma roda de pessoas cada um fale uma palavra aleatória, e para que a última pessoa construa uma narrativa baseada nas palavras ditas. Apesar da tentativa de fazer algum sentido na narrativa, o fato de os elementos serem aleatórios faz com que a história se torne sem pé nem cabeça", diz Sofia. Só que, como os estudos sobre o assunto são realmente recentes, nada é certeza. "Outra teoria afirma que os sonhos têm a função de nos preparar para situações futuras. Ou seja, a partir das nossas experiências já vividas, elementos são associados e cria-se um ensaio combinando possibilidades (ainda que ilógicas), para que você esteja, de certa forma, preparado para próximas situações semelhantes. Mas será que essas “escolhas” são completamente aleatórias? Alguns estudos dizem que não. Que os elementos utilizados na construção da narrativa têm sempre algo ligado a um tipo de impacto emocional ou estímulo da atenção", complementa a neurologista.


Então, tendo como base as teorias acima, como se pode explicar especificamente os sonhos eróticos? Quem responde é Sofia: "Exatamente da mesma forma que explicamos os outros. Em uma mesma narrativa, nosso cérebro sincroniza uma emoção (desejo sexual, necessidade de afeto ou atenção, por exemplo), com elementos que nos chamaram a atenção – nem sempre associados à emoção anterior. Ou seja, seu cérebro não está preocupado se a pessoa, que em algum momento te chamou a atenção porque tinha “uma sobrancelha estranha” não te atrai sexualmente; mas pode ser que um dia ele combine uma emoção com a atenção que você depositou nessa pessoa e então seja produzido um daqueles sonhos que todos nós já tivemos e acordamos constrangidos". E para lidar com esse constrangimento, como faz? "Bem, a pessoa em questão não sabe do seu sonho, e nem você sabe muito bem se ela era ela no sonho. O melhor talvez seja observar bastante essa pessoa. Se o desconforto for grande, é porque aí tem coisa e vale a pena pensar mais a respeito", complementa Dani. E, vamos de terapia!

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