Sim, sua mãe também transa! Precisamos falar sobre prazer e maternidade
É saudável que mulheres continuem sentindo desejo e prazer após se tornarem mães. A seguir, os tabus que envolvem a questão e o que podemos fazer para desmistificar o tema
Por Amanda Grecco
“Credo, mãe. Eu não quero saber!”. Se você é mãe de adolescente ou de uma pessoa adulta, já deve ter se deparado com alguma manifestação de desgosto ao abordar seus desejos e prazeres. Ou, se a maternidade não é o seu caso, quem sabe já apertou os olhos e respirou fundo para mandar para longe o pensamento da sua mãe tendo prazer sexual.
Precisamos falar sobre isso porque, queira você ou não, a libido é fundamental à vida. E precisamos combinar que as mulheres não estão exatamente esbanjando prazer por aí. Por isso, cabe a nós refletir um pouco sobre como quebrar esse ciclo para lambuzar o mundo – ao menos o que está ao nosso alcance – com deliciosas sensações.
Já pensou em comprar um Bliss Bullet ou um Jambu Vibes para presentear a sua mãe no Dia das Mães? O que queremos fazer aqui é naturalizar o prazer e quebrar esse estigma que nós, como sociedade, colocamos em cima das mulheres que são mães. Afinal, como disse a ginecologista e educadora em saúde Halana Faria, da página @ginecologiafeminista: “Conjugar maternidade, erotismo e sexualidade não só deveria ser possível, como também um objetivo, porque isso faz da maternidade um lugar melhor”.
O trauma da gestação
Trauma, por definição, tem a ver com uma vivência profunda que gera pensamentos desordenados, confusos e muda a forma como entendemos nosso estado mental; uma excelente explicação para o período de gestação sem a típica romantização.
A psicanalista Ana Paula Brandão Rocha, especialista em Psicanálise da Infância e da Adolescência, explica que as transformações começam na relação das mulheres que se tornam mães com o próprio corpo, e não podemos esquecer que vivemos numa cultura que exige do corpo feminino - beleza, magreza, juventude – e se apropria dele. “Em geral, as mulheres ficam insatisfeitas com o próprio corpo após o nascimento do bebê. São muitas transformações para dar conta. Em alguns casos, até os seios podem ser um incômodo por aumentarem de volume e ficarem doloridos com a amamentação”.
Ana Paula também explica que essas transformações interferem no pleno exercício da sexualidade. “O status da mulher alterado para mãe pode comprometer o relacionamento sexual, pois interfere no modo como a/o parceira/o “olha” para ela. Agora, ela passou a ser representante das “mães” e há um terceiro incluído na relação, o bebê”.
Passar pela gestação, parto e puerpério, e acompanhar todas as mudanças inerentes a esses processos, é uma tarefa, no mínimo, trabalhosa. Como disse Halana, “É preciso dar tempo para juntar todos os caquinhos para se recompor”, pois a mulher não volta a ser quem era ela. Por isso, o trauma.
Parceiros e parceiras: seu papel é fundamental
Gabriela Bratan tornou-se mãe do Gustavo durante a pandemia e conta que a gestação foi um período extremamente difícil, pois não reconhecia seu corpo. “Eu não me sentia eu mesma. Tudo estava diferente.” A grande virada de chave dessa história foi quando, durante o parto, seu parceiro Guilherme a surpreendeu muito positivamente.
Gabriela conta que, além de fazer as massagens junto à doula, dar todo o suporte físico e emocional, eles desenvolveram uma intimidade enorme após o parto. “Como tivemos que fazer uma cesariana, eu me frustrei muito e o Guilherme validou meus sentimentos, sem jamais reduzir o que eu sentia. Além disso, ele me deu todo o apoio no pós-parto, me ajudando, inclusive, a colocar calcinhas absorventes, me alimentar e outras necessidades. Isso foi extremamente sensual para mim e a minha libido voltou muito rápido”.
Ter espaço para dizer à sua parceria como se sente e ter lugar de escuta é fundamental para a reconstrução da sexualidade após o nascimento do bebê. A fisioterapeuta pélvica Wandressa Stefaneli explica que é importante lembrar que a sexualidade não é só penetração, mas carinho, massagem e beijo na boca. “Recomendo assistir a um vídeo juntos que retome o desejo, utilizar brinquedos eróticos para voltar a estimular a sintonia do casal, e o que der tempo, pois ele é curto com os filhos”.
Entretanto, Halana explica que a mãe, em geral, vai ficar muito conectada com a criança durante os primeiros meses de vida, “então, há uma vinculação com a criança que é muito necessária e, às vezes, a parceria pode sentir que não é mais o foco do desejo daquela mulher. Se não há uma boa comunicação, é muito comum que isso gere ruído, gere conflito”.
Dica da fisioterapeuta pélvica @wandressa.fisio: após o parto, há casos de ressecamento vaginal devido à queda de estrógeno e progesterona. É recomendado usar hidratante vaginal e lubrificantes para evitar fissuras, além de ter um cuidado especial com os músculos íntimos.
“Durante a gestação, já preparamos a mulher para prevenir o enfraquecimento dos músculos íntimos. Então, se você já trabalhou isso antes, é possível evitar dor e perda da sensibilidade durante as relações sexuais. O parto normal não afrouxa a vagina, isso é um mito.”
Quem já ouvir falar em MILF?
Mother I Wolud Like to F*ck é um dos fetiches mais buscados em plataformas de vídeos pornô, mas a quem será que essa fetichização interessa?
Quem maratonou a série Friends deve se lembrar de uma cena em que Joey, o amigo mulherengo da turma, entra no quarto de Rachel, recém-parida, e demonstra excitação ao vê-la tentando amamentar sua filha. Ela, que assim como outras mulheres, estava com dificuldade para ajustar a pega do mamilo na boca da bebê, não estava nada interessada na presença de Joey, enquanto ele sexualizava esse momento. Outros tempos, claro, mas não tão longe quanto gostaríamos.
Beatriz Motta, jornalista e mãe do José, 11 anos, relembra a necessidade de reconstruirmos o que é o prazer feminino independente da relação com um homem. “Para mim, o foco da questão não é o de que mães transam, mas que mães gozam. Gozam sexualmente, gozam a vida. O grande tabu do prazer feminino transcende à reprodução, por isso é fundamental pensar na existência no gozo feminino, no direito ao prazer.”
A potência das mulheres mães
É frequente que as mães fiquem isentas de desejos, vontades e individualidade. “As pessoas não conseguem separar. Não podem ver uma mulher na balada sem perguntar com indignação, mas cadê o seu filho? Parece que ser mãe vem sempre à frente de ser mulher”, diz Wandressa.
A ginecologista e educadora Halana explica que a maternidade pode ser um processo bem grande de abertura. Ela é um grande portal, e pode ser um portal para a vivência mais positiva e saudável da sexualidade. “Isso é pouco falado, mas é muito comum o relato de que o corpo fica mais potente, de que a libido e o orgasmo podem ser muito mais potentes, que há ainda mais possibilidade de prazer se a gente não está contaminada com a ideia de deficiência”.
No caso da Gabriela, o sexo ficou muuuuuito melhor após o nascimento do Gustavo. “Essa intimidade que construímos tornou nossa relação bem mais gostosa. Tem sido uma delícia a vida sexual após a experiência da maternidade, mas não dá para romantizar porque tivemos situações muito difíceis devido à exaustão, insegurança e isolamento social. É uma reconstrução transformadora”.