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Meu parceiro ou parceira não quer transar, e agora?

É verdade que a libido oscila, mas normalizar a falta de sexo em longo prazo em um relacionamento não é saudável para nenhum dos envolvidos.


Por Amanda Grecco


Usar o termômetro do sexo para medir a qualidade de um relacionamento nem sempre é o mais indicado, já que toda a relação tem fases e é natural variar entre momentos mais e menos sexuais. Você também não precisa se identificar com o papo socialmente construído de que um relacionamento longo está fadado a cair na mesmice e na escassez sexual. Quem nunca ouviu alguém dizer que o sexo acaba depois de muitos anos juntos?


A psicanalista especializada em relacionamentos Val Marquesi explica que quando há falta de qualidade na relação sexual, ou uma das pessoas não está a fim, é necessário analisar e conversar sobre o assunto. “O sexo é somente a ponta do iceberg de um relacionamento. Abaixo, há diversos outros pontos que levam à falta da relação sexual que precisam ser investigados”.


Júlia e Maria Clara namoram há 3 anos, e contam que a Maria sempre teve o desejo sexual menos intenso. Mas com o passar do tempo, isso tem ficado um pouco mais evidente na relação. “Para mim, a sexualidade é um lugar muito sensível. Isso se reflete não só na relação amorosa, mas também comigo mesma, com o trabalho, com as amizades. Me questiono como estou usando essa energia. Por isso, a sexualidade tem sido um lugar de pesquisa”, conta Maria.


Mesmo com alguns desencontros no desejo de transar, Júlia e Maria não estão vivendo uma crise relacional. Isso porque as meninas criaram um espaço seguro para que o diálogo flua, e ambas entenderam que a falta do desejo de uma não significa desamor pela outra. “Estamos juntas descobrindo como nossa relação pode ser ainda mais gostosa. Por isso, nós duas fazemos análise individualmente e cogitamos a ideia de fazer uma análise de casal se for necessário”, conta Júlia.


 

A base do iceberg

Val diz que toda vez que há um desequilíbrio sexual numa relação, isso precisa ser investigado. E não significa necessariamente que exista falta de interesse em estar com a outra pessoa. “Às vezes, uma pessoa que não sabe lidar bem com os sentimentos, absorve muita coisa para si e passa a ficar emocionalmente ocupada resolvendo questões pessoais, ou mesmo de trabalho, que não têm nada a ver com a parceria. Por isso, uma escuta profissional de um analista é fundamental."


É importante ressaltar que o apoio emocional da parceria é importante, mas que existem casos em que psiquiatras, endocrinologistas, ginecologistas e sexólogos também são indispensáveis para que a pessoa recupere seu desejo pelo ato sexual. A falta da libido pode ser causada por desequilíbrios químicos depressivos ou ansiosos, por questões hormonais ou até dores crônicas como a vulvodínia.


É o caso de Márcio, que viveu um relacionamento de 5 anos com uma parceira que sofria com dores constantes durante a relação. “Ela se sentia insegura por causa das histórias que viveu no passado, nós dois sabíamos que as dores que ela sentia eram fruto disso e conversávamos muito, mas ela era relutante para buscar ajuda”. 


Márcio conta que eles seguiam alguns protocolos que descobriram juntos, como 40 minutos de preliminares antes da relação e uso de lubrificantes e preservativos específicos. “Assim, conseguimos tornar a relação mais prazerosa para ela, mas ainda não o suficiente para que ela pudesse chegar ao orgasmo”. 


Ele explica que, por serem mais jovens na época, não conseguiram alcançar um espaço de segurança dos dois para lidar de forma mais madura, pois ele se sentia abalado por não poder dar prazer a ela, e ela a ele. “Por mais que conversássemos sobre tudo, as emoções nos tomavam com muita intensidade, como se a falta do prazer de um fosse culpa do outro. Hoje, somos amigos e ela tem muito mais conhecimento sobre o corpo dela. É uma construção bonita de acompanhar”.


 

"Hoje eu estou com dor de cabeça!"

E por que será que na maioria dos casos é a mulher que perde o tesão? Val conta que, ao investigar o motivo da falta de desejo na relação de seus pacientes, muitas vezes percebe que o sexo é gostoso apenas para o homem. 


“São muitas as mulheres que ainda não tiveram orgasmo. Enquanto o sexo não for gostoso para os dois, vai ter um desequilíbrio. As mulheres têm menos oportunidade de sentir prazer, pois o patriarcado faz com que os homens priorizem seu próprio prazer. Existem diversas desconstruções necessárias para pararmos de acreditar que a mulher não gosta de sexo e tem menos libido”, explica Val.


A psicanalista também explica que é comum ouvir relatos de mulheres que fazem jornada dupla de trabalho entre cuidados com filhos e emprego, vivem cansadas e sem espaço para o próprio prazer. “Às vezes, o companheiro se isenta dos compromissos com a casa, com os filhos, chega no fim do dia e não pergunta como foi o dia dela, não oferece um carinho e, no final, quer ter relação sexual? Não tem nem clima.”


Para que exista desejo no relacionamento, é necessário cultivá-lo. “Por que a gente pensa que, no decorrer do tempo, não é mais necessário cortejar o outro? Esses movimentos do início do relacionamento continuam sendo necessários. Não são necessariamente os mesmos movimentos porque o relacionamento é dinâmico, mas é necessário se sentir desejado, visto e ouvido pelo outro. Esse cuidado é o ingrediente principal para apimentar a relação”, explica Val.


Na prática

A psicóloga clínica e sexóloga Michelle Sampaios explica que a diferença no desejo feminino precisa ser considerada, porque, em geral, as mulheres não são estimuladas a pensar em sexo, desejar e fantasiar. “Tudo isso atrapalha bastante o funcionamento da sexualidade feminina, então é importante ampliar o repertório do casal”, diz.


Abordar sua parceria de forma diretiva, já colocando a mão na genitália sem beijo, massagem e outras investidas pode contribuir para a falta de vontade de ter fazer, explica Michelle. “Usar a criatividade na hora da transa e não ter necessariamente a penetração como protagonista do sexo pode ser uma boa estratégia para inovar na relação. Será que uma masturbação entre os dois, ou apenas um do casal se masturbar usando um sex toy e o outro estar ali e participar daquele momento não pode ser interessante?”, questiona. 


Michelle conta que o segredo está no diálogo e vale a pena usar desse recurso para explorar a variação do repertório na cama, entender quais brinquedos podem ser interessantes e criar um ambiente confortável para falar sobre fantasias.

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