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Sexo, prazer e maternidade: uma conversa necessária com Mari Muradas

Sexo na gravidez, libido no pós-parto, masturbação, desejo, exaustão, afastamento do parceiro. Por que ainda é tão difícil falar sobre tudo isso?

Para ajudar a abrir essa conversa com mais profundidade, convidamos Mari Muradas — escritora, educadora Feldenkrais, doula de parto e instrutora Gentle Birth. Ela também é coidealizadora do projeto Doulas de Adoção, e tem uma trajetória que une ciência, corpo, escuta e coragem.

Mari é uma profissional que admiramos profundamente e que recomendamos a todas as pessoas que se interessam por temas como sexualidade, puerpério e prazer feminino.

A seguir, você confere a entrevista completa:

Lubs:

Ainda é comum ver o sexo na gravidez como um tabu. Por que isso acontece, e como transformar esse período em espaço de intimidade e conexão — e não de silêncio?

Mari Muradas:

Um dos grandes desafios na maternidade é tirar um pouco da romantização desse período e da imagem purificada de que mãe não sente prazer e nem deveria ter desejos próprios.

Na realidade, pela perspectiva da fisiologia, com o aumento de receptores hormonais de ocitocina e endorfinas e com a neuroplasticidade acelerada, esse período sensível pode ser para algumas pessoas uma oportunidade onde os orgasmos e prazer irão atingir níveis muito altos e com uma qualidade muito superior.

Indico sempre que antes de iniciarmos qualquer relação sexual numa parceria, explorar a masturbação, o autoconhecimento e entender aonde em você o seu prazer acontece é um grande começo para romper essa barreira cultural e aproveitar esse momento com orgasmos incríveis.

E assim, gozando bem sozinha, o interesse em gozar bem acompanhada surge com mais facilidade.

Lubs:

O que o discurso sobre ‘esperar o resguardo acabar’ revela sobre a forma como a sexualidade feminina é tratada depois do parto?

Mari Muradas:

Além de ser uma visão muito heteronormativa pensarmos no período de resguardo como é trazido ainda hoje em dia, muitas vezes essa recomendação vem de uma forma protocolar e sem uma escuta verdadeira sobre o que significa a sexualidade na vida daquela pessoa e como ela deseja cuidar dessa questão após a chegada de um bebê.

O período sugerido, de 40 dias, tem a ver com a cicatrização e recuperação da região pélvica e uterina, independente de ter sido um parto via vaginal ou cesárea. Mas o orgasmo como forma de liberação de tensão e de autorregulação pode ser uma ferramenta incrível a ser utilizada nessa etapa, onde a demanda nos cuidados externos do bebê está tão intensificada.

Costumo dizer para as puérperas que nesse momento a gente aceita o mínimo — como se um banho mais tranquilo ou escovar os dentes já fosse um momento de muito luxo.

Ao entendermos que gozar é também tarefa fundamental para o nosso bem-estar, podemos sim pensar em estratégias para cuidar da nossa sexualidade também nesse período do resguardo. Afinal, sexo não é só penetração — e se está limitado apenas a isso, tem muito a se melhorar por aí.

Lubs:

A libido pode mudar — e muito — depois que nasce um filho. Como lidar com isso sem culpa e com mais escuta?

Mari Muradas:

A libido pode mudar muito — e inclusive para muito melhor.

Acho que um grande impacto que a chegada de um filho traz é na diminuição da espontaneidade. Não vai bater um tesão louco no meio da tarde ou no fim de um dia cansativo de cuidados com uma criança.

Então pode ser que, por um bom tempo, a frequência sexual caia ou precise ter um planejamento para que o sexo aconteça.

Se a mãe amamenta, ela pode ter alterações na libido também por conta do efeito da prolactina.

Essa escuta empática precisa acontecer com a gente, ao explorarmos esse corpo nessa nova função e validarmos a importância que a sexualidade tem na nossa vida — e o quanto de estímulos é necessário para fazer essa roda girar com muito prazer e leveza.

Lubs:

Muitos casais se afastam no pós-parto. O que isso tem a ver com o fato de, muitas vezes, o homem não ocupar o papel de cuidador de forma admirável?

Mari Muradas:

O impacto que a parentalidade causa na vida das pessoas muitas vezes tem um abismo com esse recorte de gênero.

É fato que é muito mais fácil ser pai na sociedade heteronormativa em que a gente vive — onde o cuidado invisível não é valorizado, e a sobrecarga materna é tão comum e aceita.

Não tem como ter tesão e libido com exaustão e sobrecarga.

Enquanto o cuidado não for realmente prioridade comum e igualitária entre o casal, o afastamento irá acontecer.

E esse BO são os homens que precisam resolver — a gente já tá bem cheia de pratinhos pra cuidar.

Sobre a Mari:

Mari Muradas é uma das grandes referências no Brasil quando se trata de escutar o corpo no ciclo da maternidade. Seu trabalho une educação somática, fisiologia do parto, cuidado com a sexualidade e consciência social.

- Você pode acompanhar o trabalho dela pelo Instagram: @marimuradas
- Para contato direto: contato@marimuradas.com

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